O equilíbrio entre o estoicismo e a serenidade do Qigong proporciona um diálogo inspirador no caminho para a paz interior. Ao explorarmos estas filosofias milenares, aparentemente distintas à primeira vista, descobrimos um terreno comum onde a serenidade mental se entrelaça com a harmonia do corpo.

Na minha jornada como estudante da filosofia ocidental, o estoicismo se destacou como uma filosofia prática fascinante. As suas reflexões simples, claras e desapegadas procuram compreender a natureza humana de maneira crua e desenvolver uma sabedoria que conduza a uma vida feliz, priorizando a paz interior.

Apesar de suas raízes antigas, o estoicismo continua a ser uma filosofia relevante e inspiradora para muitos que procuram uma orientação sobre como viver uma vida significativa e equilibrada.

O estoicismo, originado na Grécia antiga por volta do século III a.C., foi desenvolvido por pensadores como Zenão de Cítio, Cleantes, Epicteto, Sêneca e Marco Aurélio. Essa escola de pensamento visa orientar para uma vida ética e significativa, concentrando-se no desenvolvimento da virtude, autocontrole e aceitação do que está para além do nosso controle.

Uma das teorias mais notáveis do estoicismo é a “teoria do deixar ir”, que surge da reflexão sobre a aceitação do que está além do nosso controle.

Ao unir a sabedoria estoica à prática do Qigong, percebemos uma harmonia única. 

Enquanto os estóicos valorizam a serenidade mental e a aceitação do incontrolável, o Qigong, com sua abordagem holística, incorpora movimento consciente, respiração e atenção para cultivar a tranquilidade, que surge naturalmente e sem esforço.

Ao praticarmos Qigong, desenvolvemos uma atenção extraordinária no nosso corpo, sentimentos e pensamentos. Os movimentos lentos aproximam-nos da constante mudança presente na natureza, para os estoicos considera (a mudança) parte essencial da natureza.

Marco Aurélio diz:

Assustado com a mudança? Mas o que pode existir sem ela? 

O que está mais próximo do coração da natureza? 

Podes tomar um banho quente e deixar a lenha como estava? 

Comer alimentos sem os transformar? 

Pode ocorrer algum processo vital sem que algo seja alterado?

Não percebes? 

É exatamente o mesmo contigo — e tão vital para a natureza.

No Qigong, a filosofia estoica encontra uma expressão tangível. Ambas abordam a mudança, sendo o Qigong uma prática que a incorpora na sua essência, pela observação ou atenção plena do que está ao nosso redor e do que acontece no nosso mundo interior.

Ao praticar Qigong, também aprendemos a observar os nossos pensamentos sem nos deixarmos dominar por eles. A atenção plena no movimento e na respiração cria um espaço interior que nos permite responder, em vez de reagir impulsivamente, alinhando-se com a essência estoica da serenidade diante das circunstâncias.

Os estóicos ensinavam o desapego das preocupações superficiais e a importância de manter a calma no meio do caos. Relacionando com o Qigong, percebemos que os desafios podem ser considerados como ruídos temporários. A prática regular de Qigong torna-se um refúgio, proporcionando uma pausa para refletir e manter a paz interior.

O ato de deixar ir pode não ser fácil, mas o estoicismo oferece sabedoria prática. Discernir o que está sob nosso controle, aceitar a impermanência, praticar a indiferença às opiniões alheias, cultivar a serenidade interior e refletir sobre a natureza da vida são princípios que auxiliam nesse processo.

Assim, ao aplicar esses ensinamentos estóicos, aprendemos a soltar o que não contribui para nosso crescimento e bem-estar, transformando o ato de deixar ir numa uma jornada acessível e enriquecedora.

O estoicismo oferece sabedoria prática e atemporal exatamente para esse propósito. Então, como podemos aprender a aplicar as lições da filosofia estóica para nos ajudar a deixar ir? 

Ficam aqui alguns principios do estoicismo:
  1. Discernir o que está sob seu controle: O estoicismo ensina a distinguir entre aquilo que está sob o nosso controle e o que não está. Concentre-se nas ações, escolhas e atitudes que pode controlar, deixando de lado aquilo que está além do seu domínio.

 

  1. Aceitar a impermanência: Reconheça a natureza passageira das coisas. Compreenda que as pessoas, experiências e circunstâncias estão sujeitas a mudanças. Ao aceitar a impermanência, estará mais apto a deixar ir o que não pode ser retido.

 

  1. Praticar a indiferença às opiniões alheias: Não permita que as opiniões dos outros tenham poder sobre a sua paz interior. Concentre-se em viver de acordo com os seus valores e princípios, independentemente da aprovação ou desaprovação externa.

 

  1. Cultivar a serenidade interior: Desenvolva a calma interior diante das adversidades. Isso não significa suprimir emoções, mas sim cultivar a serenidade para enfrentar os desafios com clareza mental e equilíbrio emocional.

 

  1. Refletir sobre a natureza da vida: Medite sobre a brevidade da vida e a inevitabilidade da morte. Ao internalizar a transitoriedade da existência, pode ganhar uma perspectiva valiosa sobre o que realmente importa.

 

Ao aplicar estes princípios estóicos, podemos aprender a deixar ir o que não serve mais ao nosso crescimento e bem-estar. A filosofia estóica fornece uma estrutura para desenvolver resiliência, aceitação e sabedoria prática, tornando o processo de soltar aquilo que nos prende uma jornada mais acessível e enriquecedora.

 

“Algumas coisas estão sob nosso controle, enquanto outras não estão sob o nosso controle. Sob o nosso controle estão a concepção, a escolha, o desejo, a aversão e, numa palavra, tudo o que é de nossa própria realização; não estão sob nosso controle nosso corpo, nossa propriedade, reputação, cargo e, em uma palavra, tudo o que não é de nossa própria realização.” Epitecto